Dia 15 de outubro, dia do professor. Para escrever sobre esta profissão, o Jornal do Comércio conversou com professores de gerações diferentes para tentar responder a seguinte pergunta: hoje, o que é ser um professor no Brasil? As respostas oscilam entre as gerações, mas os olhos destes profissionais que passaram por centenas de livros e transformaram o cérebro em uma máquina de ensinar, buscam uma luz e ideias para resgatar nos alunos a aspiração por educação.
“Eles não estão preocupados em aprender, mas sim, com a nota”, define o professor Joanes Becker, sobre qual seria o maior desafio educacional que enfrenta em sala. Professor de matemática, ele leciona há 35 anos e aguarda apenas a autorização estadual para ganhar sua aposentadoria. Educador que passou por diferentes gerações acadêmicas, mostra na coerência de seus 55 anos, um discurso esperançoso.
“Eu sou otimista. Nos últimos anos, o profissional do magistério, mesmo que lentamente, está sendo mais valorizado”, afirma, referindo-se às conquistas da classe, como o piso salarial e leis de incentivo à qualificação. Certamente, mestre da ciência exata, o professor também vê na ciência humana uma parcela de confiança. “A sociedade está reconhecendo o professor como um profissional importante na construção de valores”, acrescenta.
Alexandre Seifert, 38 anos – dos quais, 20 em frente ao quadro negro -, ainda mostra um discurso fervoroso. Para ele, os professores são vistos apenas como ‘ocupadores’ de criança. “É ocupar as crianças. Eu vejo que o hoje o Governo observa a escola como um lugar apenas para deixar as crianças. Na greve dos professores, por exemplo, os pais ficam contra os professores somente porque não tem onde deixar seus filhos”, respondendo a pergunta de o que representa ser um professor na atualidade.
Apaixonado pelo esporte, Seifert vem traçando sua carreira no ramo da ciência, após se formar em Ciência e Biologia. Em sala de aula, defende a mesma opinião de Becker: é preciso instigar o gosto pela educação. “Não é nem o salário, porque isso você acostuma. Mas o maior desafio é fazer com que o aluno queira aprender e assimilar a importância do estudo para a sua vida”, acredita, salientando ainda que o Estado deve fomentar a valorização da classe.
“Não vejo os professores sendo valorizados. Acho que qualquer pessoa pode dar aula. Então é muito fácil substituir um professor”, diz Seifert, referindo-se aos professores Admitidos em Caráter Temporário (ACT) – em que a formação superior nem sempre é exigida – e à falta de políticas educacionais sobre a profissão. “É uma profissão base de todas as outros. Todos passam pelas mãos dos professores e por isso acredito que devemos ser tratados com um pouco mais de atenção”, complementa.
Vinícius Luis de Lins, estudante de Psicologia, é um desses professores admitidos em caráter temporário. Em meio ao problema que a Escola de Educação Básica Alexandre Guilherme Figueredo vem passando, com o grande número de pedidos de licença dos educadores efetivos, Vinícius foi admitido com os seus 22 anos de idade. De ideias frescas, seus discursos parecem abonar as perspectivas positivas de Becker e Seifert, que citam a ‘busca’ pelo encantamento estudantil.
“Há uma crise de identidade na escola, os professores em maioria não sabem mais o que fazem, o que são. Há diferença entre sua formação, entre as novas Leis da Educação, entre a Gestão Escolar. O contexto escolar pede mais do que lecionar, pede heróis, pede amigos, pede vilões”, define o jovem, cuja mãe também é professora. Vinícius, no entanto, afirma que apesar de ter a veia educacional, não pretende seguir carreira. “A idealização de professor seria aquele que chama o aluno pra si, que resgata, mesmo diante das dificuldades”, acrescenta.
O jovem professor acredita que o maior desafio da educação nacional será a própria reinvenção. “São inúmeros desafios, variam desde questões econômicas, até organizacionais, passando pelas dificuldades de formação, entrando nas dificuldades políticas”, pensa. “Mas o maior mesmo é a crise de identidade, que é constituída historicamente, onde o professor fica no dilema entre obedecer o plano ou atuar como a sociedade e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) esperam de um professor. Enquanto não superarmos essa super-valorização de conhecimento científico e baixa valorização de assimilação de conteúdo (trazer os conteúdos para realidade do aluno) a Educação vai falhar em grandes números”, finaliza.
Desinteresse acadêmico
O reinventar sugerido por Vinícius abona os discursos de Becker e Seifert. Para eles, o avanço tecnológico é um dos principais motivos para o aparente desinteresse dos alunos. “Sem dúvida era mais fácil. Antigamente não existiam tantos recursos tecnológicos. Hoje, por mais que você prepare uma aula, os alunos não se interessam”, confirma Seifert.
Segundo Becker, a tecnologia acessível e os serviços virtuais de busca favorecem o aluno, inibindo as tradicionais consultas aos livros e aumentando o plágio. “Os alunos estão focados na tecnologia. Hoje eles procurando as respostas no Google. Mas eu digo, nada que uma boa pesquisada nos livros também não irá resolver”, defende.
Na contramão da tecnologia, a educação pública segue os moldes tradicionais de repassar conhecimento. O acesso a internet nas escolas segue restrito e o material didático acaba textualizado, em virtude do grande volume de informação mundial que circula pela rede. “Dá pra contar nos dedos o número de professores que possuem notebook”, lamenta Seifert.
“Ser professor não é uma profissão, é uma missão”
Aos 87 anos, Alcina Figueredo – uma das primeiras professoras de Balneário Piçarras – revela memória fresca e pensamentos atualizados sobre e educação. Ela, que começou a lecionar na década de 40, relembra histórias de sua época e lamenta a pouca valorização dada à classe nos dias de hoje. “Hoje em dia a palavra patriotismo não significa mais muita coisa”, diz ela, ao me recepcionar no portão de sua casa após o desfile cívico, realizado na manhã do último dia 12.
“Me lembro no dia em que me formei professora. Um professor muito conhecido e renomado, o Professor Elpídio Barbosa, fez uma palestra e falou: ser professor não é uma profissão, é uma missão. Se você não tem essa vontade, melhor nem começar a lecionar”, responde Dona Alcina ao ser questionada sobre o que era ser um professor naquela época. A frase faz alusão a todas as dificuldades enfrentadas para lecionar às crianças.
Durante trinta anos, Dona Alcina transmitiu sues conhecimentos aos piçarrenses, em uma época de rara estrutura e em que a própria educação não era vista com bons olhos em cidades menores. “Primeiro não tinha luz nem água. Depois as escolas ficam muito distantes. Para ajudar, tínhamos que enfrentar a desconfiança dos pais para que deixassem seus filhos frequentarem as escolas”. A primeira escola em que deu aula foi no bairro de Santo Antônio. “Era uma casa normal. Porta de entrada, duas janelas e cinquenta alunos estudantes”, completa.
Mesmo diante dos empecilhos, Dona Alcina sempre tratou de harmonizar a convivência estudantil. Mantinha relacionamento com os pais e respeito com os alunos. “No começo de cada ano eu chamava os pais, para uma espécie de coquetel. Ali eu deixava claro: não falem mal do professor, essa é a base para que a educação seja adequada e existe respeito total”, afirma a professora, citando ainda, que mesmo em tempos mais autoritários, jamais usou a palmatória ou de outros artifícios de punição para educar.
Para ela, é justamente esse convício que falta nos dias de hoje para que a educação seja tratada com maior respeito. “Falta disciplina social. É necessário que professores, pais e alunos se respeitem e se compreendam. Cada um tem sua parcela na educação”, finaliza.
Ao mestre, minhas memórias
De comoventes histórias dos cinemas, para relatos da vida real. Não há exemplos que faltem para retratar a importância do professor para inspirar e transformar as crianças em formação. ‘Escritores da liberdade’, ‘Meu mestre minha vida’, ‘Mentes perigosas,’ e ‘Ao mestre com carinho’ são clássicos que retratam a sintonia entre educador e educando. No cotidiano, Tatiane Deschamps (27 anos) e Mônica Cristina de Borba (23 anos) podem ser citadas como exemplos vivos de eterno agradecimento à educação.
Jornalista, Tatiante lembra de Adelaide Sautner – que lecionou em seus primeiros anos escolares – como sendo a figura que compartilhava os conhecimentos de forma harmoniosa e simplória. “Foi a Dona Adelaide quem me ensinou a escrever e mostrou o quão fácil é aprender. Me lembro de ela encantar a sala toda com as histórias e tornar o aprender a ler e escrever uma tarefa super fácil”, conta a jovem, que hoje uma profissional de comunicação especializada em Mídias Sociais.
Para Mônica, Eliane Colzani Lopes não sai de sua memória. Assim como Tatiane, Mônica faz referência às lembranças devido a sua alfabetização. “Minha vida teve como influência a sua dedicação de como ensinava e amava o que fazia. Sempre nos aconselhou a respeitar os colegas e valorizar os estudos”, recorda. Contudo, para a moça, as lembranças têm um gosto ainda mais especial.
A ‘dedicação de como ensinava e amava o que fazia’, fizeram Mônica escolher sua profissão: professora. “Foi a professora que me alfabetizou e hoje, como professora, reconheço que ela é uma excelente alfabetizadora é impossível esquecer a pessoa que me ensinou a ler e escrever e tem influência quase que direta na minha escolha profissional”, confirma. “Nesse dia dos professores tão especial quero desejar tudo de bom, sempre”, finaliza.
Já Tatiane, à Dona Adelaide, seus votos são para que ela se torne inesquecível a todos os alunos para quem leciona. “Que ela continue sendo essa professora maravilhosa e inesquecível que encanta os alunos com sua doçura”, encerra.
Foto por: Felipe Bieging