Tramita na Câmara de Vereadores de Balneário Piçarras projeto de decreto que concede o título de cidadão honorário ao paratleta piçarrense (atleta com deficiência visual), Marcelo Pocidonia, o Tem Tem – que compete no arremesso de peso, lançamento de disco, lançamento de dardo e salto em altura. A iniciativa foi lida durante a sessão ordinária do último dia 3 e já deve ir à votação na próxima terça-feira, 10.
A homenagem foi proposta pelo vereador Ademar de Oliveira (PSD), subscrito por Roberto Florindo (PSD), Domingos Ignácio (PP) e João Bento Moraes (PSDB). “É o reconhecimento de uma trajetória de vida vitoriosa, digna, que enobrece ainda mais este diploma de Cidadão Honorário, elevando o nome de Balneária Piçarras por onde compete”, resume Ademar. Marcelo e sua família participaram da sessão em que foi lido o projeto.
“Eu me sinto bastante orgulhoso por ser um cidadão piçarrense, de uma família bastante tradicional da cidade. Como paratleta – que para muitos é diferente, ainda há um olhar meio que de preconceito – é reconhecimento. Mostramos nossa capacidade no dia a dia, com muita dedicação”, disse Marcelo. Ele espera que o reconhecimento possa render uma maior valorização ao desporto e paradesporto. “Por ser uma modalidade diferente na cidade – já que se fala muito em futebol e basquete -, não se vê nenhuma criança, nenhum jovem praticando o atletismo. Quem sabe um dia a gente possa implantar o paradesporto para servir de exemplo para muitos atletas que estão por vir”, acrescentou.
Ele possui treze títulos catarinenses (pentacampeão no lançamento de disco, pentacampeão no arremesso de peso e tricampeão no lançamento de dardo), cinco títulos paulista e um campeonato brasileiro, sendo o atleta com maior número de títulos na história do esporte da cidade de Balneário Piçarras. A história de vida de Marcelo o levou à prática esportiva especial, requerendo uma dedicação acima da média. No ano de 91 para 92, perdeu a visão devido a um acidente de trabalho: estava pintando um prédio e acidentalmente caiu cal de pintura em seus olhos, descolando suas retinas. A visão nunca mais foi recuperada.
“A vida nos tem ensinado que o mérito não vem por acaso, as pessoas podem até receber um dom superior, mas em todos os casos, as vitórias para si e para os demais que lhe cercam são frutos de muita persistência, empenho pessoal, planejamento de ações diárias firmes e bem coordenadas”, complementa Ademar. Em 2009, frequentou a Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC) e cinco anos depois ingressou no paradesporto – acumulando conquistas.
“O tempo passou e em 2014 recebeu o convite de seu amigo paratleta, José Roberto Alves, para participar do paradesporto. No mesmo ano, participou do seu primeiro Parajasc (campeonato estadual), alcançando seus três segundos lugares nas modalidades de lançamento de dardo, lançamento de disco e arremesso de peso”, recorda Ademar, em texto anexo ao projeto de decreto.
Sua última competição foi no ano de 2020 na cidade de Vitória, no Espírito Santo – onde foi campeão nas provas de salto em altura e lançamento de disco. Agora se prepara para sua próxima competição: os Jogos Abertos Paradesportivos de Santa Catarina (Parajasc), na cidade de Rio do sul. Ela acontece entre os dias 13 à 19 de setembro e Marcelo representará Itajaí.
NOVO DESAFIO NO PARADESPORTO E TÍTULO NACIONAL
No ano de 2019, Marcelo aceitou o desafio de competir na modalidade de salto em altura, tornando-se o primeiro cego do Estado de Santa Catarina a praticar o salto em altura. Ele ganhou a fase classificatória que é o regional Rio Sul e se tornou o campeão brasileiro na classe T11, saltando 1 metro e 24 centímetros.
ABRE ASPAS | Marcelo Pocidonia, paratleta
JC – O que o esporte significa para você?
Marcelo: O esporte para mim significa tudo. Antes de perder a visão eu gostava muito de jogar futebol, joguei em vários times aqui do nosso município. O esporte é qualidade de vida, é superação, é motivação – até nesta pandemia, ficamos bastante tristes já que todas as competições foram adiadas. Estou ansioso para rever os amigos. Depois que eu comecei a praticar o esporte, minha vida mudou completamente. Eu pus fim ao sedentarismo, já que passei a ficar mais em casa por conta da minha deficiência visual. Então, o esporte para mim é tudo.
JC – Você acredita na implantação de políticas esportivas locais para desenvolver o paradesporto?
Marcelo: Espero que um dia a nossa cidade reconheça e pense no esporte paraolímpico e não somente no convencional. Existem ‘cinquenta’ escolinhas de todos os tipos de modalidade, só não se ouve falar do paratletismo. Está na hora de os nossos governantes começarem a olhar para esse lado da pessoa com deficiência, porque – querendo ou não – dentro do nosso município eu acho que sou o único atleta que se destaca. Talvez, por falta de conhecimento sobre o paradesporto ou não terem as oportunidades que eu tive, de ser abraçado pela cidade de Itajaí, através da Fundação Municipal de Esportes (FMEL). Foi onde eu iniciei e devo tudo que eu conquistei até hoje.
JC – O que você espera para o futuro do paradesporto na cidade?
Marcelo: Quando eu falo em esporte paraolímpico, eu quero englobar tudo – não só o atletismo. Têm tantos paratletas no nosso município que poderiam estar fora de casa, como se diz, saindo para vida. Mas, nós não temos apoio, não temos um técnico capacitado para comandar o paradesporto. Eu não falo isso só porque eu faço lançamento de disco, arremesso de peso, lançamento de dardo… não, nós temos cadeirantes que podem jogar basquete, temos cadeirantes que podem praticar corrida, tem cadeirante que pode fazer arremesso. O esporte paraolímpico é o esporte adaptado, todo esporte que tem no convencional, tem no paraolímpico. Mas, infelizmente os olhos são voltados somente para aquelas pessoas que se dizem normais e as pessoas com deficiência ficam de lado. Mas, acredito que isso um dia vai se reverter e nós vamos ter muitos Marcelos campeões que irão surgir no nosso município. Acredito que esse será o meu legado.