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domingo 13 de outubro de 2024


Agosto Lilás: “O efeito das agressões é devastador, físico e psicológico”

No mês da conscientização pelo fim da violência contra a mulher, a presidente do CMBA fala da realidade encontrada em Balneário Piçarras e Penha e pede: “precisamos lutar contra as violências não somente no Agosto Lilás, mas, sempre”

(FOTO, FELIPE FRANCO, JC)
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Desde novembro de 2019, quando iniciou oficialmente suas ações em Balneário Piçarras e Penha, o Coletivo de Mulheres do Brasil em Ação (CMBA) tem sido o seguro abraço às mulheres vítimas de violência nas cidades. Desde então, a presidente do coletivo, Regina Santos da Silva, tem presenciado um cenário de violência doméstica contra mulheres até então velado. “Eu tenho pego mulheres que apanham com cano de PVC, que levam facadas, eles seguram o braço e apertam, dão socos na cabeça para não deixar hematomas”, detalhou ela durante longa entrevista alusiva à campanha “Agosto Lilás”.

De vocabulário franco, ela ainda vê deficiências nas políticas públicas municipais, mas consegue observar avanços: Procuradoria da Mulher, Sala Lilás e a recente Casa de Referência no Fórum de Penha são exemplos positivos. “O efeito das agressões é devastador, físico e psicológico. A luta foi ganhando reconhecimento a ponto de o problema ser combatido e criada medidas de enfrentamento. A Lei ganhou nome por Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou contra o seu agressor. Precisamos lutar contra as violências não somente no Agosto Lilás, mas, sempre”, acrescenta.

Regina pontua ainda o perfil das vítimas catarinenses. “A prática da violência contra a mulher é um problema social, que vem se repetindo ao longo da história e que atinge todas as camadas da sociedade. O perfil de vítimas de Santa Catarina é totalmente diferente de São Paulo. São mulheres brancas, de classe média. De 10 mulheres, 2 eu pego preta e da baixa renda. A maioria é classe média alta. Isso tem chamado muito a atenção, mulheres independentes, que trabalham, mas que passam por situações de violência. Essa situação é reflexo da sociedade, fundada sobre valores patriarcais que favorecem o autoritarismo, a subordinação e que prejudica negativamente a relação entre as pessoas”, analisa Regina, também vítima décadas atrás.

JC – O que o “Agosto Lilás” representa?

Regina – É uma campanha de conscientização pelo fim da violência doméstica contra a mulher. Ela foi desenvolvida em referência ao aniversário da Lei Maria da Penha, que foi criada em 7 de agosto de 2006 – graças à Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou por sanções contra o seu agressor. A cor Lilás não foi posta por acaso não. Ela foi adotada pelas sufragistas inglesas, em 1908, pela mobilização pelo direito ao voto. Elas escolheram a cor lilás que se inspira na cor da nobreza inglesa, a branca que representa a pureza da luta feminina e o verde a esperança da vitória. Eu comecei a luta em 2005, na cidade de Cubatão (SP). A gente tinha um grupo de algumas mulheres que já lutava por alguns direitos. Naquela época nós iniciamos a luta pela implementação de políticas públicas para as mulheres no estado de São Paulo. Em 2012, nós conseguimos trazer a primeira Delegacia da Mulher, em Cubatão e no Brasil, e conseguimos criar o Centro de Referência da Mulher, no qual eu estou trazendo para Santa Catarina”

JC – Quais são os tipos de violência?

Regina – Elas estão classificas de cinco formas: Psicológica, Patrimonial, Sexual, Moral e Física. Começamos pela Psicológica, que se caracteriza por humilhações, ameaças, controle, vigilância, perseguição, chantagem, vasculhar os pertences pessoais, machucar os animais de estimação da mulher, ameaçam retirada dos filhos, que irão sair com uma mão na frente e a outra atrás… Tem a Violência Patrimonial, que consiste em quebra do celular – é a primeira coisa que ele faz -, rasga fotos, quebra móveis, rasga roupas, apropria-se do salário ou de cartões de banco. A Violência Sexual é um sexo forçado. Tenho atendido muitas mulheres que passam pela agressão sexual, mas que acabam não pondo no boletim de ocorrência porque elas não sabiam que o sexo forçado, mesmo elas sendo casadas, é crime. Tem também o sexo por troca de dinheiro, obrigar a assistir pornografia, impedir de usar qualquer método contraceptivo. Também tenho pego muitas mulheres vítimas do crime virtual, quando o homem tem o fetiche de gravar ela momento da relação sexual. Quando essa mulher termina o relacionamento, ele manda a filmagem para grupos…é horrível! A Violência Moral consiste nos xingamentos, de todos os tipos, desqualificam constantemente, humilhação públicas e em redes sociais. A Violência Física fica caracteriza pela agressão, socos, chutes, empurrões, tentativa de asfixia, agressões com armas, tentativas de queimaduras e torturas. Eu tenho pego mulheres que apanham com cano de PVC, que levam facadas, eles seguram o braço e apertam, dão socos na cabeça para não deixar hematomas.  Nós vemos muitas coisas nessa questão.

“Muitas vezes, as mulheres não percebem, pois acreditam que trata-se de cuidado, de amor” (FOTO, FELIPE FRANCO, JC)

JC – Quais são os primeiros sinais de que uma mulher está sendo vítima de alguma violência?

Regina – É muito comum questionar por que uma mulher permanece em uma situação de violência, porque não denuncia seu agressor e, quando faz, porque volta a conviver com ele… Essas perguntas são bem comuns. Acontece que as relações familiares de afeto não são apenas isso. Geralmente no início do relacionamento a pessoa é gentil, envolvente… Eu faço a triagem das vítimas, a escuta humanizada, desde ela criança até ela envolver com esse parceiro. E eu pergunto: como ele era no começo? Gentil e envolvente. Eles buscam conquistar a confiança dela, com o tempo vão mudando e mostrando quem realmente eles são. Muitas vezes, as mulheres não percebem, pois acreditam que trata-se de cuidado, de amor. Aquele excesso de ciúmes elas acham: nossa, ele me ama. Chega ao ponto de ele a controlar em todas as situações. Aí começam os sinais. O autor da violência passa a controlar as roupas dela, também começa a afastar dos amigos, da família e assim por diante. Assim começa o ciclo da violência. O ciclo é composto de três fases: o aumento de tensão (o agressor insulta, humilha, intimida, ameaça e provoca a vítima – onde ela sente que é responsável pelas atitudes do agressor e tenta buscar justificativas), o ataque violento (onde a vítima é agredida, se sente inferiorizada e acredita não ter mais controle da situação) e a lua de mel (o agressor diz que se arrepende e promete mudanças de forma carinhosa. A vítima idealiza o parceiro e acredita nas mudanças, até o ciclo recomeçar). É preciso a gente romper isso, ajudar a romper e é aí que entra o CMBA. Ela precisa reconhecer que é uma mulher vítima de violência e que precisa tomar providências – vindo até a fase da superação.

JC – Qual é a realidade que as cidades de Balneário Piçarras e Penha apresentam? Há muitos casos de violência?

Regina – A realidade que a gente encontra hoje, no CMBA, é que são mulheres que só procuram ajuda quando estão praticamente indo para a última fase, que é o feminicídio. A maioria que vai na Delegacia é quando esse agressor bate nas crianças dela. Essa mãe se torna uma leoa, porque até então ela aguenta por medo de o parceiro romper o relacionamento e cumprir com as ameaças. Tem ainda a vergonha de procurar ajuda e ser criticada, isso ocorre muito, assim como a dependência econômica e afetiva com o parceiro – assim como questões familiares e religiosas.

JC – Quais modos e canais para uma mulher realizar sua denúncia, procurar ajuda?

Regina – Existem várias formas. Há o aplicativo da Polícia Militar, o PM Cidadão. Quando a mulher pede ajuda por ali, tem o geolocalizador e a mulher começa a ter uma resposta pelo próprio aplicativo. É muito importante que todas as mulheres baixem. Tem também o número do CMBA (47) 9 9112.5538. Pode nos ligar que a gente dá um jeito.

JC- A Lei Maria da Penha completou 16 anos. A senhora vê avanços positivos desde a criação da Lei?

Regina – A Lei Maria da Penha funciona desde que essa mulher consiga seguir o que tem na Lei. Tem os direitos, mas também tem os deveres. Então, muitas mulheres acabam pulando esses deveres e aí entra o CMBA. Sempre estar lembrando elas das infrações que não podem. Assim como os homens têm, elas também têm e precisam seguir direitinho. A cada ano, a Lei vai se aprimorando. Ano passado, a agressão psicológica, que era a que mais atendia, não constava na Lei e não rendia boletim de ocorrência. Em 29 de junho do ano passado, passou a ser inclusa na Lei. Graças a Deus isso evitou muitas agressões. Eu confio na Lei Maria da Penha, mas ainda falta orientação e muito acolhimento.

JC – O CMBA também terá um espaço junto Fórum de Penha. O que será desenvolvido na Sala? Qual o ganho dessa proximidade com o Judiciário?

Regina – O que nós ganhamos não é nem uma Sala. Essa Casa ela vai ter um acolhimento para essa mulher, em todos os estágios. Nossas mulheres, de Penha e Piçarras, estão ganhando um presente que eu não estou nem acreditando nesta realidade. É um local aonde elas virão diretamente da delegacia ou da Polícia Militar para serem atendidas imediatamente com atendimento psicológico, terapêutico e jurídico. Depois, elas terão rodas de conversa, cursos profissionalizantes, encaminhamentos para serem inseridas no mercado de trabalho. Quando essa Casa inaugurar, ela já nascerá com todas essas atribuições. Nossas mulheres e nossas crianças irão ganhar muito.

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Jussara María Guimarães da Silva
Jussara María Guimarães da Silva
2 anos atrás

Parabéns pela conquista Regina lutar pelo direitos das mulheres

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