A ativista da causa animal, Emanoelly Rodrigues, a Manu – uma das responsáveis pelo projeto Adote Penha – teve o celular apreendido e precisou assinar a Termo Circunstanciado por cobrar do Governo Municipal o resgate de um cão da raça pit bull que estava solto pelo munícipio. O fato ocorreu na manhã desta quarta-feira, 13, quando ela levou o cão até a Prefeitura de Penha para que o Grupo de Operações e Resgate (GOR) realizasse o resgate, momento em que a Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) foi acionada.
“A gente que faz o bem aqui nessa cidade é tratada dessa forma. Mas, eu não desisto não, tá? Eu não desisto, não. Quanto mais bate, mais eu me apego a Deus e acredito que estou no caminho certo. Quanto mais as pessoas baterem, mais eu acredito que o caminho é esse. E, tudo que eu quero, é poder deixar o animal em segurança e as pessoas em segurança, também. Não estou fazendo mal para ninguém, não estou quebrando nada, não estou xingando ninguém. É só isso que eu quero, que o animal fique bem, que a população fique bem também”, disse Manu em um vídeo postado por uma colega.
“Quanto mais as pessoas baterem, mais eu acredito que o caminho é esse”
EMANOELLY RORIGUES
A PMSC pontuou ainda que ela se recusou a cumprir o protocolo legal para o resgate de animais e por isso foi indiciada. Em nota, a corporação informou que ela foi “indiciada pelas contravenções penais de ‘Omissão de cautela na guarda ou condução de animais’ e ‘Perturbação do Trabalho e Sossego Alheios’ e teve o celular apreendido como prova. Ela foi liberada depois de assinar um Termo Circunstanciado comprometendo-se a comparecer em juízo”.
Antes da ir à Prefeitura com o cachorro, Manu já havia acionado o Grupo de Operações e Resgate (GOR) – contratado pelo Instituto do Meio Ambiente de Penha (IMAP) para prestar o serviço na cidade. Ela teria sido informada que, em casos de animais saudáveis, seria necessário lavrar um Boletim de Ocorrência, mas “insistiu em obter atendimento sem registrar boletim de ocorrência (fora do protocolo), e por isso, tendo causado tumulto e perturbação, a Polícia Militar foi acionada”, afirma a PMSC.
“Se no futuro o proprietário acionar o município para reaver seu animal já doado a um terceiro, há um Boletim de Ocorrência dizendo quem resgatou o animal e solicitou resgate por parte do município”
PMSC
Segundo a PMSC, o registro do Boletim de Ocorrência é necessário “para salvaguardar o município ante ações judiciais, eis que o animal recolhido será estabilizado e encaminhado para doação. Se no futuro o proprietário acionar o município para reaver seu animal já doado a um terceiro, há um Boletim de Ocorrência dizendo quem resgatou o animal e solicitou resgate por parte do município”, acrescentou a PMSC. Após toda a polêmica, o animal acabou sendo resgatado pelo GOR – com lavramento de Boletim de Ocorrência – e será encaminhado para adoção.
Ainda em nota, a PMSC disse que “servidores públicos se viram acuados e amedrontados com a presença e comportamento o animal dentro do prédio, relatando terem se sentido impedidos de realizar suas funções habituais, uma vez que o cão latia para as pessoas que tentavam andar pelos corredores ou adentrar ao local, o que foi inclusive registrado por câmeras e adicionado ao processo”.
O GOR apenas realiza o resgate e encaminhamento para clínicas, de animais em situações em que um animal é encontrado doente, machucado, atropelado, ou ainda, se o animal estiver saudável, mas por sua tipologia é considerado perigoso (o que era o caso) – mas só será resgatado se o responsável pelo resgate registrar um boletim de ocorrência.
A Prefeitura foi procurada, mas ainda não se manifestou.
AUTUAÇÕES
Por solicitar o resgate do animal, Manu responderá por situações enquadradas em dias previsões legais: Lei Estadual nº 14.204 (de 26 de novembro de 2007) e Contravenções Penais. Ela foi liberada depois de assinar o Termo Circunstanciado para responder em juízo pelos delitos supostamente praticados.
A Lei Estadual nº 14.204 trata da proibição de permanência de cães da raça Pit Bull em logradouros públicos, precipuamente, locais em que haja concentração de pessoas, tais como ruas, praças, jardins e parques públicos, e nas proximidades de hospitais, ambulatórios e unidades de ensino público e particular.
Já a Lei de Contravenções Penais trata da guarda de animal inexperiente à pessoa sem experiência ou ausência de cautela. Nessa questão, há também a perturbação do sossego alheio.
A PMSC informou que apreendeu o telefone de Manu para obter precisão na elucidação dos fatos: “Como se trata de uma infração penal e ela filmava toda a ação, seu telefone foi apreendido na forma do Art. 6º, incisos II e III do Código de Processo Penal, para que as imagens captadas pelo aparelho sirvam de prova sobre o ocorrido e se possa dar precisão aos esclarecimentos do fato”.
Manu desabafa: “existe uma perseguição com o meu projeto”
Ao Jornal do Comércio, Manu disse não teve a intenção de causar tumulto, mas apenas exigir que o cachorro fosse resgatado – salvaguardando a vida do animal e das pessoas. “Fico muito triste em ver que toda vez que eu tento procurar somar com o município, procurar mostrar pra eles que na maneira que as coisas estão sendo feitas não é o correto dentro da causa animal – porque a causa animal ela tá engatinhando – meu posicionamento é visto como crítica”, alegou.
“Eu fui muito hostilizada. Eu sei que é uma coisa batida, as se eu fosse um homem, não teria sido tratada da forma que eu fui tratada”
EMANOELLY RODRIGUES
Ela observa que a intensidade de suas cobranças não é aceita nas esferas governamentais, situação que a coloca em grau natural de enfrentamento. “Eu fui muito hostilizada. Eu sei que é uma coisa batida, as se eu fosse um homem, não teria sido tratada da forma que eu fui tratada. Existe uma perseguição com o meu projeto […] Eu estou para somar com o município, para salvar vidas”, acrescentou.
Quanto à ação policial, Manu afirmou estavam “fazendo o papel dela, claro que como cidadã, eu achei que duas viaturas uma coisa muito desnecessária. Mas eu sei que eles estão cumprindo a posição”. “Estão colocando como se eu tivesse levado o animal lá pra causar risco para população […] Eu não saí para fazer um resgate, eu estava tomando um café no momento e vi o animal”, encerrou.
“A Prefeitura demonstrou estar despreparada para lidar com momentos de crise e conflitos como esse” define advogado
O advogado, Felipe Rebello Schmidt, o Felipinho, se colocou à disposição para auxiliar Manu nas questões jurídicas que irão decorrer da assinatura do Termo Circunstanciado. Mas, de imediato, ele vê proporção exagerada na ação que tinha por foco a aplicação da política pública animal, zelando pela ordem e segurança das pessoas.
“A mera exigência de um boletim de ocorrência não pode ser pretexto para tamanha confusão, dado ainda o histórico de atuação da Manu em prol da causa animal. Compreendo que a PMSC cumpriu seu papel legal, mas faltou sensibilidade do poder público e capacidade de gerenciamento de crise para resolver uma situação em que se denota claramente a punição à pessoa que buscava pelo correto”, definiu o advogado.
“Caberia ao poder público a iniciativa do resgate do pit bull, que apesar de – nesta situação, parecer um animal dócil – a raça possui um histórico de maior agressividade”
FELIPINHO
Para o advogado, Manu tem a causa animal como essência de vida e é conhecida por sua atuação marcante em prol dos resgates. “Caberia ao poder público a iniciativa do resgate do pit bull, que apesar de – nesta situação, parecer um animal dócil – a raça possui um histórico de maior agressividade. Mas, foi da Manu a iniciativa de zelar pela segurança do animal e de possíveis vítimas que poderiam surgir em um eventual ataque e está sendo punida por isso. Por burocracia”, acrescentou.
“A Prefeitura demonstrou estar despreparada para lidar com momentos de crise e conflitos como esse. Falta alguém tecnicamente preparado para interceder nessas horas de maneira serena e resolver a situação. Tudo isso poderia ser evitado se houvesse sensibilidade de compreensão de que, neste caso, a burocracia demasiada engessa e impede a aplicação das políticas públicas”, reforçou Felipinho.
Por fim, o advogado espera conversar com o comando da PMSC para compreender melhor a situação e “buscar resolver da melhor forma evitando novos casos deste tipo. Entendo que há questões legais que devem ser cumpridas e respeitadas, mas, repito, vejo que a punição foi atribuída a quem buscava resolver um problema”, encerrou Felipinho.