Um inquérito de centenas de páginas e que tramita em segredo de justiça. Transcrições de conversas telefônicas, extratos bancários, relatórios fiscais – obtidos mediante a quebra dos sigilos –, contratos e muitas fotografias formam a denúncia do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) que embasou o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), José Everaldo da Silva, a determinar a prisão preventiva de oito pessoas supostamente envolvidas em crime de corrupção numa obra pública: a ponte sobre o Rio Itajuba.
Esse é o contexto da ‘Operação Travessia’, deflagrada na manhã chuvosa da última quarta-feira, 24, na Prefeitura de Barra Velha. Ela resultou na prisão do prefeito, Douglas Elias da Costa (PL), dos secretários de Planejamento Urbano, Elvis Füchter, de Administração e Finanças, Mauro Silva, do engenheiro civil da Secretaria de Planejamento, Osni Paulo Testoni, e do diretor de Patrimônio da Prefeitura, Osmar Firmo. Três empresários da TEC – Técnica de Engenharia Catarinense e J.A.S Construtora também foram detidos.
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Os grupos especiais do MPSC, o Gaeco e Geac, citam que as investigações “apontam supostos crimes de corrupção, com participação de agentes públicos e empresários, na execução de obras públicas. Em contrapartida, é investigado o recebimento pelos agentes públicos de vantagens indevidas dos empresários contratados, às custas de aditivos em série e medições supervalorizadas”. Conforme apurou a reportagem, a situação consistia no recebimento de propina.
O enquadramento criminal apontando na denúncia é o de formação organização criminosa, corrupção e fraudes em licitações de obras públicas. “Estou absolutamente tranquilo. Podem me perguntar o que quiserem, respondo de imediato. Eu jamais faria algo contra o povo de Barra Velha”. A frase é do prefeito de Barra Velha, Douglas da Costa (PL), dita a seu advogado, Wilson Pereira Junior, minutos antes da audiência de custódia realizada na tarde desta quarta-feira, 24. O advogado também defende Elvis.
A obra da ponte sobre o Rio Itajuba começou a ser executada em outubro de 2021 após a empresa TEC – Técnica de Engenharia Catarinense vencer o certame licitatório com uma proposta na ordem de R$ 2.767.464,36. Após uma sequência de aditivos de valor e prazo de término, a empresa recebeu R$ 3.385.978,08 e abandonou a obra inacabada em maio de 2023. Na ocasião, a Prefeitura promoveu a contratação, por dispensa de licitação, da J.A.S Construtora para finalizar os trabalhos.
Em junho de 2023, o trânsito pela ponte foi liberado. O Governo Municipal contratou mais R$ 447.635,34 para a continuidade da obra – que teve seu trânsito liberado em junho passado – mas, sem os guarda-corpos laterais. Até o momento, a J.A.S já recebeu R$ 413.877,16. Uma nova licitação, deflagrada no final do ano passado, resultou na contratação de uma terceira empresa para realizar os serviços: R$ 118.990,72. Essa fase seria executada agora, mas está bloqueada pelo MPSC. A soma de todos os serviços afere à construção da ponte sobre o Rio Itajuba, que foi batizada por Ponte vice-prefeito Arthur Fagundes, a quantia de R$ 3.952.604,14.
Além dos mandados de prisão, outros 22 mandados de busca e apreensão foram cumpridos. Pelas fotos divulgadas pelo MPSC, armas, munições, celulares e grande quantia de dinheiro em espécie foram apreendidos pelas equipes. O advogado Wilson Pereira afirmou que esse material não pertence ao prefeito, secretários e servidores públicos. “Não tenho conhecimento de quem são, mas garanto que elas não são do prefeito ou dos demais agentes públicos detidos”, afirmou.
Na tarde de quarta-feira, 24, todos detidos passaram por audiência de custódia individualizadas no Fórum de Barra Velha, presididas pelo juiz em exercício, Walter Santin Junior. “Nela, foram apreciadas somente as questões relativas à regularidade do cumprimento das ordens de prisão, à inexistência de abuso ou violência e garantia dos direitos”, informou a advogada Samantha de Andrade, que representa Osni. Por possuir foro privilegiado, todo processo transcorre em instância especial, no TJSC da capital.
Todos devem ingressar com pedido de revogação das prisões. Os pedidos são direcionados inicialmente ao desembargador, José Everaldo da Silva. Se negadas, buscarão medidas complementares, com um Habeas corpus, por exemplo. O prefeito, os secretários e servidores foram levados ao Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, em Canhanduba. Os empresários detidos no Presídio Regional de Joinville. Por ser preventiva, não há prazo legal definido para liberação.
O Jornal do Comércio entrou em contato com a defesa dos envolvidos na investigação. Com exceção da defensora de Osni, os demais não se manifestaram formalmente sobre as prisões. Em nota oficial a Procuradoria Jurídica da Prefeitura afirmou que “acompanhou as buscas na sede da prefeitura, está colaborando para todos os fatos sejam apurados da forma mais célere possível, valendo esclarecer. E informa ainda, que não teve acesso aos autos do processo”.
“Não há o menor indício de participação”, afirma advogada que defende engenheiro civil
A advogada Samantha de Andrade – que representa o engenheiro civil Osni Paulo Testoni – afirmou que não há elementos que liguem o profissional às acusações imputadas pelo MPSC. Ela ingressou com pedido de revogação da prisão e buscará acelerar o processo de análise da solicitação.
“Passamos a madrugada analisando os autos do processo, que segue em segredo de justiça. Tudo o que eu posso afirmar é que não há o menor indício de participação do Osni nesse esquema apontado pelo Ministério Público. Ele é apenas um servidor público que cumpria seu trabalho na análise de projetos”, afirmou a advogado ao Jornal do Comércio.
PIERRE COMENTA ÁUDIOS FALSOS
Áudios disparados em grupos de WhatsApp também citavam o nome do ex-presidente da Fundação de Turismo, Cultura e Esporte (Fumtec), Pierre Costa, como um dos detidos. A reportagem conversou com ele às 12h50. “Muitos me mandaram mensagem me questionando. Mas, afirmo que não sou alvo dessa operação do Ministério Público. Estou colhendo provas para ingressar com um processo contra os autores desses áudios”, disse.
OS GRUPOS DO MPSC
Os fatos são investigados em procedimento investigatório criminal (PIC) em trâmite na Subprocuradoria Geral para Assuntos Jurídicos do MPSC, com apoio do Grupo Especial Anticorrupção (Geac), do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e da Promotoria de Justiça da Comarca. A deflagração contou com o apoio da Polícia Científica. As equipes chegaram por volta das 6h30 ao prédio da Prefeitura.
O GAECO é uma força-tarefa que tem como finalidade a identificação, prevenção e repressão às organizações criminosas. É coordenada pelo MPSC e composta por integrantes da Polícias Militar, Civil e Rodoviária Federal, da Secretaria Estadual da Fazenda, do Corpo de Bombeiros Militar e da Secretaria de Estado de Administração Prisional e Socioeducativa. O GEAC é um grupo de membros do Ministério Público de Santa Catarina que atua em investigações e ação judiciais de combate à corrupção, cujos fatos revelem maior gravidade ou complexidade.
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