A comparação de Leis de Acesso à Informação existentes na Espanha e no Brasil. Essa foi a temática da dissertação do mestrado em Gestão de Políticas Públicas feito pelo advogado de Penha, Felipe Rebello Schmidt, o Felipinho – aprovada com dupla titulação pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e Universidade de Alicante, da Espanha.
Ele defendeu sua dissertação em dezembro do ano passado. Para Felipinho, como é mais conhecido, é preciso a adoção de uma “linguagem acessível e unificação na formatação dos dados” apresentados nos portais de transparências dos poderes para que a sociedade consiga ter a percepção mais clara sobre como os recursos públicos são aplicados.
“Embora aprovadas há mais de uma década, as leis de acesso à informação em ambos os países, ainda terão um longo caminho a percorrer para consolidarmos uma cultura de transparência e acesso”
As Leis de Acesso à Informação são recentes nas duas nações: o Brasil a criou em 2011 e a Espanha apenas em 2013. “Embora aprovadas há mais de uma década, as leis de acesso à informação em ambos os países, ainda terão um longo caminho a percorrer para consolidarmos uma cultura de transparência e acesso”, disse o advogado, em longa entrevista ao Jornal do Comércio.
Ele vê o tema como algo a ser debatido e ampliado, em especial nas gestões municipais – que incidem diretamente no cotidiano do cidadão: “Debater o tema é fundamental, sobretudo dentro das administrações municipais que são, em última análise, as que mais temos contato, aonde vamos para resolvermos problemas como consultas médicas, vagas em creches e escolas, pagar nossos impostos, dentre outras coisas”.
JC – O que te motivou a se aprofundar na temática da transparência pública na gestão pública?
Felipinho – Primeiro porque eu acredito que estudar sempre vale a pena. Segundo, porque sempre me interessei pela gestão pública, pelas políticas públicas da minha cidade e tudo o que seja de interesse público precisa ser transparente, precisa ser acessível.
JC – Sua pesquisa de Mestrado fez uma análise entre as leis de acesso à informação existentes no Brasil e na Espanha. A qual conclusão você chegou?
Felipinho – A pesquisa comparada entre Brasil e Espanha se deu em virtude de eu ter cursado o Mestrado na Univali e na Universidade de Alicante que fica na Espanha. Além disso, os dois países passaram por longos períodos de regimes militares autoritários que consolidou o que chamamos de ‘cultura do sigilo’ dos documentos públicos. Tanto é que Brasil e Espanha foram uns dos últimos países democráticos a instituírem legislação para o acesso à informação pública. O Brasil em 2011 e a Espanha apenas em 2013.
“Quanto mais transparência e acesso à informação, menor é a percepção de presença da corrupção nas administrações pública“
Embora aprovadas há mais de uma década, as leis de acesso à informação em ambos os países, ainda terão um longo caminho a percorrer para consolidarmos uma cultura de transparência e acesso.
Quanto mais transparência e acesso à informação, menor é a percepção de presença da corrupção nas administrações pública.
JC – Há um lapso de dois anos entre a criação das Leis. O Brasil instituiu sua Lei em 2011 e a Espanha em 2013. Significa que o país dê menos importância ao tema? Como esse tema é visto por lá?
Felipinho – Curiosamente, embora a Espanha tenha adotado a sua Lei de Transparência, Acesso à Informação e Boa Governança apenas em 2013, e seja menos detalhista do que a nossa aprovada em 2011, o Índice de Percepção da Corrupção realizado pela Transparência Internacional, aponta que a Espanha aparece na 38ª posição, enquanto o Brasil aparecia na 95ª. Ou seja, existem outros elementos culturais, para além da transparência, que fazem com que a sociedade perceba a corrupção dentro do seu país.
Outro fator que nos difere do sistema espanhol é a estrutura organizacional que cria um maior envolvimento das pessoas nas decisões políticas do país. Em se tratando de um regime parlamentarista, onde quem tem mais parlamentares, governa as cidades e o país, o engajamento político parece ser maior e por consequência, mais leis não significam necessariamente mais participação. Vejamos o caso do nosso país que produz novas leis em escala industrial e isso não se materializa necessariamente em melhores gestões, mais transparentes, com mais participação dos cidadãos.
JC – Como observa que seu trabalho de mestrado possa melhorar a temática em nossa região?
Felipinho: As pesquisas científicas desenvolvidas nas universidades do Brasil e do mundo, tem o propósito de aperfeiçoar a vida em sociedade, seja através da medicina, da tecnologia, das instituições sociais, etc. O mais importante acerca do debate público sobre maior transparência e acesso à informação nas administrações públicas passa pela provocação sobre um olhar mais atento sobre o tema e oportunidades como essa que vocês proporcionam com essa entrevista é um exemplo de como podemos avançar. Debater o tema é fundamental, sobretudo dentro das administrações municipais que são, em última análise, as que mais temos contato, aonde vamos para resolvermos problemas como consultas médicas, vagas em creches e escolas, pagar nossos impostos, dentre outras coisas.
“Hoje, a principal e mais eficiente ferramenta de acesso à informação é a internet. Mas, infelizmente, nem todo brasileiro tem acesso à internet ou quando tem, muitas vezes, não domina o uso de computadores e smartphones“
JC – Apesar de existir a legislação, ainda há grandes reclames pela dificuldade em acessar os dados. A que se deve isso? Como se resolve essa questão?
Felipinho: Boa questão. Este ano completaremos 13 anos da Lei de Acesso à Informação no Brasil e para se ter ideia, apenas em 2023 – 35 anos após a promulgação da Constituição Federal – o Brasil providenciou a primeira tradução da Constituição para língua indígena. Se ainda há brasileiros que sequer têm acesso à sua própria Constituição é porque temos muitos desafios a serem superados.
Hoje, a principal e mais eficiente ferramenta de acesso à informação é a internet. Mas, infelizmente, nem todo brasileiro tem acesso à internet ou quando tem, muitas vezes, não domina o uso de computadores e smartphones.
Agora, alguns dos principais pontos levantados na pesquisa foram a necessidade de padronização dos sites de transparência e acesso à informação em todas as esferas da administração pública para facilitar a manuseio do cidadão, a melhora na utilização da linguagem técnica e oficial que dificulta muito a compreensão do que está escrito nos documentos públicos (não basta dar acesso, os documentos precisam ser compreensíveis), e a criação de uma cultura de transparência dentro de todos os órgãos públicos, com formação de profissionais e investimentos em tecnologia da informação.
Tudo isso passa pelo que chamamos de vontade política, é uma decisão dos gestores públicos darem mais importância para assuntos que são importantes e garantir que haja financiamento para essas políticas públicas.
JC – Por que o Brasil ainda não implantou uma plataforma de transparência única de gestão pública? Isso é possível?
Resposta: Pelo que pude levantar com a pesquisa, a falta de decisões integradas entre a União, Estados e Municípios, dificultam a consolidação de uma Política Nacional de Transparência e Acesso à Informação. Ficando cada ente da federação isolado em suas decisões administrativas nesta seara. O primeiro passo para mudar esse panorama é um esforço consistente do Governo Federal em promover a integração dos sistemas, processos internos e padrões de transparência e acesso à informação, através de investimentos federais, que podem ser complementados pelos Estados e Municípios, sob pena de a União bloquear alguns dos vários repasses de recursos públicos existentes feitos aos Estados e Municípios.
JC – Mas, além de facilitar o acesso, o que mais é preciso melhorar? A sociedade possui capacidade para fazer a interpretação dos dados que são entregues hoje?
Felipinho: Além de todo o desafio da universalização ao direito à transparência e ao acesso à informação, é preciso desburocratizar a linguagem dos documentos oficiais sempre que possível, e quando os termos técnicos forem imprescindíveis, que haja a “tradução pedagógica para termos compreensíveis” aos olhos do cidadão comum. Os Orçamentos Públicos, por exemplo, são documentos de difícil compreensão por conta da terminologia técnica e serem muito extensos para análises. É preciso de extratos sintetizados para melhor compreensão.
JC – Por que o termo “Transparência Pública” é visto com receio por parte de grande parte dos gestores públicos?
Felipinho: Porque dá trabalho ser transparente e, embora seja um dever constitucional e legal, muitos gestores medem seu trabalho somente pelo que julgam conquistar mais votos. Ser transparente com o trabalho que se está fazendo, expõe os acertos e os erros que se cometem. E na política ninguém quer admitir que errou.
“Ser transparente dá trabalho e nem todos no poder público têm a disposição para ajudar a construir uma cultura de transparência e prestação de contas“
JC – Você já esteve à frente de entidades municipais e também já esteve como vereador em Penha. Quais eram as principais dificuldades em ampliar a transparência?
Felipinho: A falta de recursos, no caso das entidades do terceiro setor e no caso do Poder Público, falta de vontade política. Ser transparente dá trabalho e nem todos no poder público têm a disposição para ajudar a construir uma cultura de transparência e prestação de contas.
JC – Dado o período de estudo para seu mestrado, a qual conclusão pode chegar sobre – em especial ao Brasil – precisa ser feito para que o termo “Transparência Pública” possa ser efetivamente cumprido?
Felipinho: Foram três anos de estudos e a conclusão que cheguei é de que a transparência e o acesso à informação são políticas públicas que precisarão ser implementadas e aperfeiçoadas constantemente, porque o avanço da tecnologia e a forma com a qual o povo e seus governantes dialogam mudam de tempos em tempos e hoje em dia, com cada vez mais rapidez. Haver transparência naquilo que é público, que é de interesse coletivo, que pode mudar a vida das pessoas para o bem ou para o mal, é uma obrigação e um compromisso que deveria ser assumido por todos, sobretudo pelos políticos mais modernos, a nova geração de representantes que surge a cada dia.