O nome da neurocientista, a piçarrense Cláudia Pinto Figueiredo, ganhou o mundo da ciência e tecnologia na última quinta-feira, 5. Ela liderou uma equipe de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que descobriu – após cerca de dois anos de pesquisa – que o Zika Vírus também é capaz de infectar e afetar o cérebro de uma pessoa adulta. A descoberta foi publicada na Nature Communication, um dos principais veículos científicos do mundo.
“A pesquisa demonstrou como o vírus causa problemas no cérebro adulto. Ele de fato conseguiu infectar neurônios maduros, não só neurônios de cérebros em desenvolvimento – das células do cérebro do feto”, detalhou Cláudia, em entrevista por telefone ao Jornal do Comércio. O trabalho foi iniciado em 2016, com resultados já descoberto em maio de 2018. Contudo, os editores da Nature exigiram testes complementares até a publicação.
O trabalho começou a partir do surto de Zika no Brasil, que atingiu principalmente fetos em formação – resultando na microcefalia – mas também acabou gerando complicações em adultos e que até então tinha sua origem desconhecida. “Já sabíamos que o vírus infectava o cérebro do feto, mas será que também era capaz de infectar o cérebro adulto?”, recordou a neurocientista de 39 anos – há oito anos trabalhando na UFRJ. “Pegamos tecido cerebral de pacientes adultos – que foram operados no Hospital Universitário por outras causas – o tecido de acesso, levamos para o laboratório, cultivamos e incubamos o vírus. Depois de dois dias avaliamos essa cultura e vimos que tinha uma quantidade muito maior de vírus do que tínhamos inserido inicialmente. Isso demonstra que o vírus se multiplicou, infectou as células e produziu novas partículas virais”, minuciou Cláudia.
A partir dos resultados no tecido cerebral humano, a equipe da UFRJ intensificou o trabalho injetando o Zika Vírus em camundongos. Cláudia detalhou que “depois que vimos que o vírus infectava o tecido cerebral adulto, injetamos o vírus no cérebro de camundongos adultos. Foi então que vimos que, assim como nos humanos, o vírus também se replica no cérebro dos camundongos – principalmente em áreas relacionadas com a memória e com o controle motor”.
Os principais sintomas da doença em adultos vão de desorientação a perda de memória e coordenação motora e, nos casos mais severos, paralisia. “Não em todos os casos. Não sabemos o porquê de alguns pacientes desenvolverem, outros não. Isso ainda não se sabe”, completou a profissionais. O estudo identificou também drogas para tratar os distúrbios neurológicos causados pela infecção. “Usamos um medicamento já vendido para artrite que neutraliza o prejuízo da perda de memória”, reforçou.
“Todos os ganhos desta pesquisa são para a sociedade”
Cláudia – que é membro da Academia Brasileira de Ciência e membro da Academia de Ciência do Terceiro Mundo (TWAS) – enalteceu os reflexos sociais dos resultados positivos. Para o grupo de pesquisa, agora será possível a criação de políticas públicas direcionadas com precisão à identificação e tratamento de pacientes com a doença.
“Todos os ganhos desta pesquisa são para a sociedade, não é para a ciência. Agora, com essa prova de conceito de fatos que o vírus infecta o cérebro adulto, podem ser estabelecidas novas políticas públicas no sentido de rastrear esse tipo de caso e tratar com eficiência – diminuindo os gastos públicos e pessoais. Agora será possível identificar o problema de uma forma mais objetiva”, celebrou a neurocientista doutora.
Apesar da conquista, ela se mostrou receosa com as novas políticas federais que tratam dos cortes de verbas paras as faculdades federais – no que tange as bolsas de estudo e linhas de pesquisa. “Importante ressaltar, que diante destes cortes de recursos federais na ciência e tecnologia, todas as pesquisas estão sendo aniquiladas”, opinou. “Toda a minha trajetória é baseada na escola pública de qualidade”, acrescentou Cláudia, que estudou até a 6ª série na Escola de Educação Básica Alexandre Guilherme Figueredo e aos 17 anos – quando deixou Balneário Piçarras – iniciou o ensino superior na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Na Federal, ela ainda cursou mestrado e doutorado na profissão pela qual se apaixonou através da janela de casa. “Na frente da minha casa tinha o laboratório da Magda (Magda Rejane Bordin Buttendorf). Ela alugava uma sala do meu pai ali e a janela da sala onde ela fazia as análises tinha uma comunicação visual com a minha. Ela sempre me explicava as coisas e cursei Farmácia por conta dela, queria ser como ela, trabalhar nessa área. Isso me motivou na escolha da profissão”, lembrou.
NA HISTÓRIA
A equipe de pesquisadores tem conhecimento pleno do feito. Para eles, a publicação na Nature crava seus nomes na história científica do mundo e os chancela a um futuro ainda mais promissor. “Poucos cientistas conseguem. Tem toda uma conjuntura, trabalho duro, fator sorte de pegar um tema que chama a atenção. Acredito que o universo conspira. De fato é uma conquista muito importante”, comemorou. “Isso aumenta a possiblidade de conquistar financiamentos para novas pesquisas e de estar em posições de órgãos de representação com maior poder decisório”, finalizou Cláudia.
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