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segunda-feira 14 de outubro de 2024


Setembro Amarelo: “Não duvide ou minimize o risco, leve a situação a sério”

Campanha a valorização a vida e prevenção ao suicídio ganha a temática do nono mês do ano e mostra uma realidade muito mais comum do que se imagina

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“Perder o emprego foi o estopim. Eu tinha muito medo de passar fome de novo e achava que nunca ia superar aquela fase. Portanto, tirar a própria vida era uma maneira de acabar com o sofrimento. Mas, ainda bem que não fiz, pois consegui superar”. O relato é de um jovem penhense, que terá sua identidade preservada. Nesta reportagem, ele será chamado por Nicolas e aos 22 anos pensou em tirar a própria vida. Amenizar histórias como estas são o foco da campanha nacional chamada por “Setembro Amarelo”, voltada à prevenção de suicídios.

“Setembro amarelo é a campanha a valorização a vida e prevenção ao suicídio. A qual tem por principal objetivo a conscientização sobre a prevenção do suicídio, buscando alertar a população a respeito da realidade da prática no Brasil e no mundo”, detalha a psicóloga Nadielli Andretti, que diariamente atende pacientes com tendências de retirar a própria vida. “A pessoa que tenta ou tem ideação suicida, ela quer mesmo é acabar com sua dor e sofrimento”, acrescenta a profissional.

“Foi uma série de fatores, mas o principal foi a doença em si. Não é natural sentir vontade de tirar a própria vida”

Hoje, com 27 anos, Nicolas recorda-se de sofrido por “seis meses em depressão profunda e mais dois anos com sintomas da depressão”. Ele comenta que uma série de situações drenaram a energia positiva de sua mente. “Foi uma série de fatores, mas o principal foi a doença em si. Não é natural sentir vontade de tirar a própria vida. Eu vinha de anos estragando minha mente porque vivia em família disfuncional, em meio a pobreza e na época que entrei em depressão profunda foi quando perdi o emprego”.

Isolamento, desinteresse, desmotivação, alteração de hábitos, alteração alimentar, mudanças no sono, preocupação com a própria morte e expressar intenções suicidas são algumas das situações pessoais que devem ganhar atenção pessoal. A busca por ajuda profissional é essencial. “Se você passa por algum sofrimento emocional e psíquico não hesite, procure ajuda e faça um tratamento adequado. Para isso é importante sempre a avaliação de um profissional, podendo ser uma psicóloga, médica, psiquiatra, de acordo com a necessidade de cada pessoa”, indica a psicóloga.

Esse foi o procedimento seguido por Nicolas. “Ajudou ter contado para os amigos e família, eles me ajudaram bastante. Me matriculei em aulas de violão: ajudou um pouco ter um hobbie pra distrair a mente. Também fiz terapia, tomei remédios, esses últimos foram os que mais ajudaram”. Questionado sobre o significado da vida, sua resposta denota a mente ativa. “Sobre a vida, pra mim, ela não tem um significado. Somos produtos do acaso no universo, o único significado que tem é o que você dá a ela. E pra encontrar esse significado, basta silenciar sua mente, deixar pensamentos egóicos de lado e se perguntar: o que eu gostaria de fazer, ter e ser?”

Uma pesquisa recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, por ano, mais de um milhão de pessoas colocam fim à própria vida. No Brasil, a média é de 38 suicídios por dia. Pessoas com essa tendência são estigmatizadas, e familiares e amigos chegam a ter medo de entrar no assunto com elas, para não estimular algum comportamento suicida. Atualmente, médicos e especialistas indicam que a boa e correta informação ainda é o melhor remédio. Há nove anos a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) organizam o Setembro Amarelo, uma campanha nacional de prevenção ao suicídio. Neste ano de 2022 o lema da campanha é “A vida é a melhor escolha”.

JC ENTREVISTA

Nadielli Andretti, psicóloga

JC – Quais são os primeiros sinais de um suicida?

Nadielli Andretti: Não há uma receita ou algum protocolo simples e fixo para identificar as pessoas que estão sob uma crise suicida ou alguém que está em intenso sofrimento emocional, entretanto há alguns sinais de alerta para que familiares ou amigos possam se atentar e auxiliar essas pessoas. Por exemplo: isolamento (se a pessoa deixa de ir à escola ou falta ao trabalho com regularidade, por exemplo; deixar de atender ao telefone; deixar de interagir nas redes sociais), desinteresse/desmotivação/alteração de hábitos/interesses (de repente, a pessoa deixa de fazer as atividades de que gosta ou fazia com frequência), alteração na alimentação (podendo comer compulsivamente ou não se alimentar adequadamente, falta de alimentação), mudança no sono (se tem insônia ou dorme em excesso). preocupação com sua própria morte ou falta de esperança (pessoas sob risco de suicídio costumam falar sobre morte e suicídio mais do que o comum. Referem sentir-se sem esperanças, culpadas, com falta de autoestima e têm visão negativa de sua vida e futuro ou não há uma expectativa sobre o futuro e sua vida). expressão de ideias ou de intenções suicidas (frases como “preferia sumir”; “eu queria dormir e não acordar nunca mais”; “vou desaparecer e vou deixar vocês em paz”).

JC – Quais questões e fatores potencializam a ideia de a pessoa retirar a própria vida? Questões mentais, depressão, abuso de álcool ou drogas estão associadas?

Nadielli Andretti – Há vários fatores e questões que podem potencializar a ideação suicida, assim como, os transtornos mentais e uso abusivo de substâncias psicoativas podem sim estar associados. Segue alguns fatores de risco que podem potencializar: transtornos mentais, abuso de substâncias (como já citado), antecedentes familiares, sexo, idade, relações familiares ou sociais, problemas físicos, situação socioeconômica, traumas psicológicos, perdas pessoais, doenças físicas, entre outros diversos.

JC – Costuma-se dizer que uma pessoa que anuncia pensar em suicidar está de brincadeira. Essa afirmação é mito?

Nadielli Andretti – Com certeza é mito. Pessoas que fazem esse tipo de menção podem sim estar com essa intenção, inclusive cito como um dos sinais de alerta. Pode ser ainda considerado como um pedido de ajuda desta pessoa. É importante se atentar a todas as ameaças de fazer mal a si mesmo e devem ser levadas muito a sério.

JC – Como você observa a abordagem de suicídios na mídia? Qual deve ser a postura mais correta?

Nadielli Andretti – Acho importante ter essa abordagem na mídia, mesmo que seja um assunto delicado é necessário debater sobre esse tema, desestigmatizar e quebrar tabus, para de fato auxiliar as pessoas que passam por esse sofrimento e necessitam de ajuda.  Acho importante para abordar de forma correta se atentar em alguns pontos:  falar sempre sobre o valor da vida e a importância da prevenção; ter respeito, cuidado e empatia com as pessoas que estão vulneráveis; cuidar com a linguagem para não ser ainda mais estigmatizante; evitar romantizar; evitar falar sobre métodos, dados e estimativas e comentar sobre ideias inspiradoras.

JC – De quais maneiras um suicídio pode ser evitado? Quais são as formas de prevenção?

Nadielli Andretti – É importante demonstrar empatia e compreensão à essa pessoa, acolher ela para que ela se sinta acolhida, cuidada e ouvida.  É importante ter o auxílio de um profissional qualificado, como um psicólogo ou psiquiatra, que têm como objetivo tentar mostrar à pessoa que existem outras soluções para o seu problema, que não o suicídio. Até porque a pessoa que tenta ou tem ideação suicida, ela quer mesmo é acabar com sua dor e sofrimento, por isso vale ressaltar que há outras formas saudáveis dela lidar com suas dores e sofrimento. Para prevenir uma tentativa de suicídio também é importante se atentar a formas ou matérias que podem ser utilizados pela pessoa, devem ser retirados todo o material que possa ser utilizado dos lugares onde essa pessoa passa mais tempo. Isto evita comportamentos de impulsividade, fazendo com que se tenha mais tempo para pensar numa solução menos agressiva para os problemas.  Se por acaso alguém se encontra diante de uma pessoa que está demonstrando ideação suicida, fique calma, ouça e mostre empatia. Não duvide ou minimize o risco, leve a situação a sério. Se possível, consiga ajuda e identifique outras formas de dar suporte emocional. Em caso de risco iminente, busque auxílio de um profissional ou ligue para a emergência.

JC – Quais são os tratamentos as pessoas que tentaram contra a própria vida?

Nadielli Andretti – Tanto para pessoas que já tentaram, tem ideação suicida ou até aqueles que estejam enfrentando algum tipo de sofrimento – não há ideação ou tentativa, é importante ressaltar – se você passa por algum sofrimento emocional e psíquico não hesite. Procure ajuda e faça um tratamento adequado. Para isso é importante sempre a avaliação de um profissional, podendo ser uma psicóloga, médica, psiquiatra, de acordo com a necessidade de cada pessoa. Segue alguns tratamentos possíveis: grupos de apoio, psicoterapia individual, terapia em grupo, terapia familiar, medicamentos, internações e práticas de bem-estar (como alimentação mais saudável, rotina de exercícios regulares, ocupação mental, mindfulness, yoga e outras práticas).

JC – E no cotidiano, quais ações naturais a pessoa deve estimular em sua vida?

Nadielli Andretti –  A Organização Mundial da Saúde define Saúde como sendo “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência enfermidades”, por isso saliento que é importante manter hábitos saudáveis do nosso cotidiano podemos citar; sono adequado, alimentação saudável, ingestão de água, atividades físicas; atividades de lazer/hobbies, tempo para a família, amigos e vida social no geral E uma dosagem bem expressiva de autocuidado, autovalorização e amor próprio todos os dias.

JC – Quais as formas que as pessoas têm de buscar auxílio?

Nadielli Andretti – Podem então ser listado alguns locais que essas pessoas podem buscar auxílio: CAPS e Unidades Básicas de Saúde,  em situações de urgência e emergência a o Pronto Atendimento 24h, SAMU (192), Corpo de Bombeiros (193) e o Centro de Valorização da Vida (CCV) (24h por dia, sete dias por semana). Com o CVV, as formas de contato são via ligação para o número 188, chat da CVV pelo site www.cvv.org.br/chat e Instagram.

JC – Para você, o que é a vida?

Nadielli Andretti – A vida para mim é um eterno processo de construção, descostrução e reconstrução.

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