As roupas vermelhas ficaram guardadas pelos últimos dois anos. Em certos momentos do ano, ele até cortou a barba. Quase havia abandonado a incumbência que a vida lhe creditara. Diante de uma nova realidade sanitária, precisou ampliar os cuidados para voltar a propagar o espírito natalino. Diante de um cenário mais favorável, Papai Noel regressou. “Mesmo assim, seguimos em atenção, seguindo os protocolos de saúde”.
“O Papai Noel que todos os anos trocava sentimentos, carinho e alegria com as crianças ficou dois anos privado desses encontros e sentimentos. Parecia que nada mais voltaria ao normal”, descreveu Salvador De Sena, um dos muitos a trocarem de identidade neste período do ano. Neste ano, as visitas são ao menor escala, mas, terão o mesmo calor.
“Vejo hoje com muito mais nitidez as manifestações de cada criança”, acrescentou Salvador, senhor de 71 anos, frisando que a pandemia alterou suas visões mais singulares da vida. Ele realiza a ação há sete anos, mas se conteve nos últimos dois em prol da saúde – em especial de sua esposa, nesta época, também conhecida por Mamãe Noel.
Muito mais do que levar alegria para as pessoas com mimos comerciais, o bom velhinho observa que a presença física é mais importante do que presentar. “São nestes momentos que acontece que autoexame de consciência e a pessoa vai ver todos os momentos que desperdiçou”.
JC – Como é voltar a visitar a casa das pessoas depois desse período tão delicado que o mundo viveu?
Salvador: Esse período difícil mudou muito as pessoas. O Papai Noel que todos os anos trocava sentimentos, carinho e alegria com as crianças ficou dois anos privado desses encontros e sentimentos. Parecia que nada mais voltaria ao normal. Entretanto, na primeira visita todos esses sentimentos afloraram com maior intensidade. A reciprocidade nos encontros continua igual. Vejo hoje com muito mais nitidez as manifestações de cada criança, a forma de expressar seu sentimento e as várias formas como isso acontece. Mesmo assim, seguimos em atenção, seguindo os protocolos de saúde.
JC – O que te motivou a incorporar o Papai Noel?
Salvador: Foi muito por acaso. Eu trabalhava em uma empresa e em um ano eles foram fazer a festa de final de ano e contrataram um Papai Noel. No ano seguinte, como eu sempre usei barba um pouco comprida, eles resolveram me convidar para ser o Papai Noel da festa. Eu gostei da ideia e fui deixando a barba crescer ainda mais. Mas, eu não cheguei a fazer o personagem no evento porque a festa foi cancelada. Mas, como eu estava praticamente caracterizado, mandei uns e-mails para uns shoppings e acabou dando certo. Fui contratado por 30 dias para trabalhar em um shopping.
JC – E como foi essa primeira experiência?
Salvador: A experiência foi muito gratificante. Teve aspectos de muita alegria, mas também de muita tristeza. Neste shopping frequentava pessoas de todas as classes sociais, e você sentia que as vezes a criança pedia um presente e notava que a família não teria condições de comprar. O pedido era feito com máxima esperança de que o Papai Noel realmente iria atender. Também outras circunstâncias, como pedir que trouxesse o pai de volta, que conversasse com os avós para que não brigassem tanto e muitas outras histórias familiares…
JC – Qual foi o pedido que mais lhe comoveu?
Salvador: Foi de um menino de aproximadamente 7 anos – que eu não consegui entender se o pai era divorciado da mãe ou se tinha falecido. Ele (menino) demorou a fazer pedido, até que disse assim: eu quero que faça meu pai voltar. E saiu correndo… Pra mim, esse pedido foi muito marcante.
JC – Na sua visão, qual é o real significado do Papai Noel?
Salvador: Bom, eu acredito que para a criança significa ganhar um presente. Para o adulto, é um símbolo de alegria e fraternidade para um determinado momento, mas que a figura do Papai Noel é uma alegria para os filhos. Eu não consegui identificar, ainda, se os adultos colocam o Papai Noel dentro de uma conjuntura religiosa. Mas, eu sempre procuro, nas visitas que eu faço, levar uma mensagem sobre o real significado do Natal, que é o nascimento de Jesus.
JC – Presentar realmente é o melhor presente? Ou, estar presente seria o grande presente?
Salvador: Estar presente, sem dúvidas. Eu vejo que as pessoas só entendem o real significado da presença quando perde. Ou perde por intolerância e a convivência acabou, ou perde no momento de falecimento, definitivamente. São nestes momentos que acontece que autoexame de consciência e vai ver todos os momentos que desperdiçou.
JC – É correto afirmar que Papai Noel não existe?
Salvador: Longe disso. Papai Noel existe e existe em cada pessoa. Ele não existe só nessas pessoas que se vestem de vermelho, gordinhos e de barba branca para o dia do Natal. Eu observo que cada pessoa pode ser um Papai Noel através de suas atitudes solidárias do dia a dia. Papai Noel não precisa necessariamente presentar, mas melhorar a vida a sua volta também é uma forma deixar a vida mais alegre.