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domingo 5 de maio de 2024


ARTIGO |  O multiverso da legislação eleitoral; a comunicação pública deixa de ser importante por 3 meses*

Brasília (DF), 22/06/2023 - Edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Dia 6 de julho, no período conhecido como 3 meses antes da eleição, os sites e redes sociais de prefeituras Brasil afora serão desativados por determinação da justiça eleitoral.

Há um porém: não existe essa determinação.

A questão da comunicação pública de prefeituras, câmaras de vereadores, assembleias legislativas, governos estaduais e governo federal, no período compreendido como período eleitoral, orbita no que eu chamo de Multiverso da Legislação Eleitoral.

Vou contextualizar.

A Lei das Eleições, a 9.504, ingressou no mundo jurídico em 1997. E a data de nascimento deste dispositivo legal não é o problema. O ponto é a falta de clareza da legislação-mãe das eleições e as centenas de decisões/interpretações perpretadas pelo judiciário que atormentam assessorias de imprensa de órgãos públicos. Na dúvida, redes sociais e sites governamentais são retirados do ar 3 meses antes do dia da eleição e retornam na segunda-feira seguinte ao pleito. É algo totalmente sem sentido, na contramão dos avanços de transparência de atos públicos e uma clara demonstração de que, legislativo e judiciário, são ineficazes na apuração de ilícitos como o abuso do poder político em momentos fora do período eleitoral.

É no tópico “Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais” que a Lei das Eleições analisa a comunicação pública. Contudo, tratada como publicidade (volto a este assunto mais à frente):

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VI – nos três meses que antecedem o pleito:

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

Perceba que a única ressalva é “em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral”. A comunicação pública, além de desaparecer por 3 meses, só poderá ocorrer se assim a Justiça Eleitoral entender. E quando eu me refiro à Justiça Eleitoral, não estou falando no sentido macro. A decisão do que poderá ou não ser publicado em sites e redes sociais de prefeituras, por exemplo, caberá aos juízos eleitorais, nas eleições municipais. O judiciário será uma espécie de órgão consultivo da comunicação pública.

A cada ano de eleição, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publica atualizações de uma série de resoluções. São instruções normativas que regem os períodos pré e eleitoral. A que trata sobre ilícitos eleitorais, a Resolução 23.735 de 27 de fevereiro de 2024, embaralha ainda mais o tema da comunicação pública.

No artigo 15 da resolução, o parágrafo terceiro traz a seguinte redação:

“Três meses antes do pleito, as(os) agentes públicos devem adotar as providências necessárias para adequar o conteúdo dos sítios, canais e demais meios de informação oficial ao disposto no parágrafo segundo deste artigo, ainda que a divulgação tenha sido autorizada em momento anterior”.

O parágrafo anterior utiliza o tema publicidade ao se referir à comunicação pública: “A publicidade institucional…. é comprovada pela indicação de nomes, slogas, símbolos, expressões, imagens ou outros elementos que permitam identificar autoridades, governos ou administrações cujos cargos estejam em disputa na campanha eleitoral”.

Agora eu preciso fazer uma rápida diferenciação entre publicidade e comunicação pública.

Para o jornalista e doutor em comunicação Jorge Duarte, é espantoso como a comunicação pública ainda é vista como publicidade. Na visão dele, parte do enfoque tem origem na compreensão de comunicação como sinônimo de divulgação, na busca de convencimento.

“Parece óbvio que o cidadão, no seu relacionamento com a estrutura pública, deve possuir informação consistente, rápida e adaptada às suas necessidades. Ele precisa saber quando pagar impostos, onde e quando buscar uma vacina, como discutir as políticas públicas, conhecer as mudanças na legislação, como usufruir de seus direitos e expressar sua opinião. Ele precisa ser atendido, orientado, ter possibilidade de falar e saber que prestam atenção ao que diz”, argumenta Duarte no artigo “Comunicação Pública”, publicado no site www.comunicacaoecrise.com.

Agora vamos fazer um exercício de imaginação. Lembrando que são exemplos dentro do período de 3 meses antes da eleição, portanto:

Ex. 1: Se, ao invés da publicação de um banner publicitário sobre a campanha do IPTU, a comunicação de determinada prefeitura publicasse um texto informativo utilizando uma foto do setor de IPTU do órgão público, seria um ilícito eleitoral? A publicação seria no Instagram, Facebook e site da prefeitura.

Ex. 2: E se uma adutora de água se rompe e a prefeitura precisa desviar o trânsito? Seria publicidade publicar no Instagram, Facebook e site do governo a informação do rompimento junto com o serviço de desvio de trânsito e uma foto do local do problema?

Agora vamos com um exemplo menos urgente ou grave, para tentar escapar da letra da lei:

Ex 3: Todos os anos, nos meses de agosto e setembro, a Secretaria de Assistência Social de determinada prefeitura promove ações de inclusão social, com a chamada de moradores para informá-los do programa e como participar. O período eleitoral, como sabemos, atravessa esses dois meses. Levando em consideração que publicidade é uma coisa e comunicação é outra, haveria problema na divulgação dessas ações de Assistência Social nas redes sociais e site desta prefeitura?

Percebam que falta clareza sobre o que seriam “providências necessárias”. Para mim, jornalista com atuação em comunicação pública, basta não publicar mais artes e banners publicitários com campanhas publicitárias. É só passar a usar imagens que se relacionam com o texto informativo de interesse social.

A decisão, no entanto, não cabe a jornalistas e assessores de comunicação. Pela falta de clareza, ficamos a cargo de decisões judiciais dos mais diferentes gostos. Os juízos eleitorais funcionarão, conforme já mencionado, como órgãos consultivos do que é permitido e do que é proibido ser divulgado. Na prática, essa ação dificilmente ocorrerá. Será mais fácil, para a Justiça Eleitoral, orientar que todos os canais oficiais de prefeituras e câmaras de vereadores, para a eleição deste ano, sejam desativados.

Quantos às redes sociais, o dano ao engajamento das páginas será imenso. Quem atua com comunicação pública na esfera digital sabe da dimensão que é trabalhar conteúdos com a frequência que a população das cidades pede. As redes sociais de prefeituras de cidades pequenas funcionam, muitas vezes, como a fonte primária de notícias sobre Educação, Saúde, Segurança Pública, Transporte Público, Assistência Social e afins.

A Lei das Eleições é de 1997, muito antes das redes sociais. A dinâmica comunicacional de hoje, 27 anos depois, é muito diferente. As redes sociais tomaram o lugar, em certa medida, de veículos de comunicação tradicionais. Se antes, prefeituras e câmaras dependiam muito de jornais, rádios e TVs para que os conteúdos públicos e institucionais fossem veiculados para moradores, hoje essas instituições públicas são o próprio produtor e promotor de informação pública de relevância.

Raffael do Prado*
Jornalista, Assessor de Comunicação Social da Prefeitura de Balneário Piçarras e mestrando de Comunicação Digital do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.

REDAÇÃO, JORNAL DO COMÉRCIO
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