Foi arquivado o projeto de lei que buscava a proibição do uso de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa – popularmente chamada por linguagem neutra – nos setores educacionais de Balneário Piçarras. O documento, proposto pelo vereador Lucas Maia (MDB), tramitava na Câmara de Vereadores desde 14 de fevereiro, mas teve sua inconstitucionalidade confirmada durante as análises técnicas e jurídicas, com os pareceres lidos na sessão ordinária do último dia 21.
O documento foi analisado pela assessoria jurídica da Casa e pela Comissão Permanente, formada pelos vereadores Jaime Albano (MDB), Domingos Ignácio (Progressistas) e Roberto Florindo (PSD). Ambos os pareceres tomaram como base recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional uma lei do Estado de Rondônia que tratava da mesma proibição. A Corte entendeu que a norma viola a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre diretrizes e bases da educação.
Os pareceres foram acatados pelo presidente da Câmara da Câmara, que promoveu o arquivamento do projeto. No uso da tribuna, o vereador autor do projeto se mostrou insatisfeito com decisão: “vim falar, um pouco indignado pelo projeto que não passou, infelizmente nós sabemos que os vereadores da Comissão fizeram o papel deles – seguiram as normas. Mas, infelizmente é o que nós estamos vivendo hoje, na atualidade: essas bizarrices que a gente ouve na rua e muitas vezes em órgãos públicos e que nos deixam indignados […] uma modinha, de uma minoria, querendo que a maioria aceite algo que não existe, que é a linguagem neutra. Para mim, é uma aberração que tentam mudar algumas palavras do nosso rico Português”.
O projeto tinha por foco proibir o uso da linguagem neutra na Rede Pública e Particular de ensino, setores de informação e cultural e também em concursos públicos do município de Balneário Piçarras. “Uma aberração, imposta por poucos. O projeto veio com o intuito de proibir o uso dessa linguagem neutra nas escolas públicas e particulares, e também em seus materiais didáticos, e também nos concursos públicos do município. É justamente nas escolas que deveria proibir o uso dessa linguagem neutra, que onde estão as nossas crianças aprendendo o português correto, a matemática, a ciências e outras matérias para o desenvolvimento delas”, discursou Lucas.
“É justamente nas escolas que deveria proibir o uso dessa linguagem neutra, que onde estão as nossas crianças aprendendo o português correto, a matemática, a ciências e outras matérias para o desenvolvimento delas”
LUCAS MAIA, VEREADOR
O entendimento do STF sobre o projeto do estado de Rondônia, no entanto, não diz respeito ao conteúdo da norma, ou seja, à legalidade ou não da linguagem neutra. A decisão dos ministros limita-se à análise sobre a competência para editar lei sobre a matéria – que, em tese, deve partir do Poder Executivo maior, o presidente da república. O tema é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7019. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) sustenta, entre outros pontos, que a Lei estadual 5.123/2021, a pretexto da defesa do aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e as orientações legais de ensino, apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e com valores humanos.
O QUE É A LINGUAGEM NEUTRA
O principal objetivo da linguagem neutra é adaptar o português para que pessoas não binárias – que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino – ou intersexo se sintam representadas. Ela ocorre, por exemplo, quando há a substituição dos artigos feminino e masculino pelas letras “x” ou “e”, como por exemplo “amigue” ou “amigx”. A linguagem neutra é defendida por parte da população LGBTQIA+ como forma de aumentar a representatividade e a inclusão.
DECRETO EM SC VETA USO DA LINGUAGEM NEUTRA
Em junho de 2021, o governo de Santa Catarina editou um decreto que veta o uso da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas do estado. O decreto foi assinado pelo então governador Carlos Moisés. A medida afeta o material didático, as provas, a grade curricular, comunicados e editais de concursos. O decreto não menciona especificamente a linguagem neutra, mas determina que a norma culta da língua portuguesa seja adotada em qualquer tipo de material produzido pelas escolas.