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sábado 18 de maio de 2024


Luiz Ferreira deixa lacuna na literatura

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Balneário Piçarras perdeu na madrugada do último dia 19, o escritor piçarrense, Luiz Ferreira da Silva, o popular Chimboca. Aos 78 anos de idade, uma cirurgia no joelho acabou gerando complicações em sua saúde, resultando na internação por artrite séptica e também em um Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI). Seu corpo foi sepultado no Cemitério de Balneário Piçarras.

Cidadão Honorário do município de Balneário Piçarras e Membro Imortal da Academia de Letras do Brasil de Santa Catarina Seccional Balneário Piçarras – Luiz Ferreira dedicou grande parte de sua vida a escrever de livros infantis objetivando a iniciação e incentivo à leitura. Como forma de homenagem, o Governo Municipal decretou luto oficial de três dias.

Homenagens não faltaram ao homem que em 1988 adotou Piçarras como seu lar, estabelecendo-se com sua esposa para viver e constituir sua família. “Fará falta para a nossa Academia e, principalmente para a literatura da região”, publicou a Academia de Letras de Balneário Piçarras. Luiz se considerava um piçarrense e tinha um profundo amor pela cidade, sua gente e sua história.

A Fundação Municipal de Cultura de Balneário Piçarras também lamentou o falecimento. “Seu Chimboca era filho do patrono da Biblioteca Pública Municipal José Ferreira da Silva e assim como o pai, teve na literatura sua grande paixão. Criador da linda história ‘Quando o amor é eterno – a lenda das ilhas Itacolomi’, seu Chimboca imortalizou as ilhas e a árvore torta’, hoje símbolo da nossa cidade. Grande incentivador da contação de histórias, via nela, uma forma de incentivar a imaginação, a criatividade e a leitura nas crianças. Hoje ele se foi, nos deixando as boas lembranças de seu senhor íntegro, carinhoso e acima de tudo de um grande escritor. Nossos sentimentos a toda família. Descanse em paz”.

A Câmara Setorial de Literatura de Balneário Piçarras, grupo que do qual era um membro fundador, também publicou nota de pesar. “Luiz Ferreira da Silva, partiu para o mais alto. Certamente vai alegrar muitas crianças com suas histórias na nova morada. Vai em paz, amigo. Ficamos com suas histórias e seu exemplo”. 

“Luiz Ferreira deixa sua criatividade, luz e essência imortalizadas nas obras literárias, que sempre exaltaram Balneário Piçarras”, definiu a Prefeitura de Balneário Piçarras, em nota. Luiz não nasceu em Piçarras, mas aqui viveu parte da sua infância e todos os verões de sua vida. Era conhecido como “Chimboca”, apelido dado pelos pescadores do município, com quem Luiz tanto gostava de jogar conversa fora e ouvir os “causos” e histórias dos antigos da cidade. 

TRAJETÓRIA
Luiz Ferreira era natural de Blumenau e nasceu em 16 de agosto de 1938. Economista de formação (tendo iniciado seus estudos primários em Piçarras, formou-se em Economia pela Fundação de Estudos Sociais do Paraná, em Curitiba, em 1968) e autodidata em pedagogia, história e literatura infantil, sempre teve o sonho de ser professor. No entanto, os caminhos da vida o levaram para a área comercial no setor de informática, fazendo parte dos pioneiros que desbravaram esse mercado no Brasil. 

Frustrado por não ter seguido a carreira de professor, Luiz Ferreira, como gostava de ser chamado, tem muito do seu pai-professor, José Ferreira da Silva – um dos maiores historiadores e escritores que Santa Catarina já teve. Autor de dezenas de livros sobre o assunto, que o alçaram à Academia Catarinense de Letras, seu pai foi também o Idealizador e realizador da Biblioteca Pública Municipal de Balneário Piçarras.

Todavia sua luta continuou sempre árdua e, mesmo seguindo caminhos profissionais diversos ao seu objetivo, paralelamente manteve a esperança de realizar o seu sonho de preparar as crianças para um futuro que representasse um mundo melhor, mais letrado, menos marginalizado.

LITERATURA
Ao par de tudo que conseguiu realizar – em obras infantis, seminários, palestras, feiras, congressos, etc. – Luiz Ferreira foi um dos 40 selecionados (entre 870 histórias, em todo o país), para participar do Projeto “REVELANDO OS BRASIS II”, cujo escopo é transformar as histórias criadas pelos participantes em um curta metragem.

Dita promoção, chancelada e promovida pelo Ministério da Cultura e pelo Canal FUTURA (da Fundação Roberto Marinho), produziu no Rio de Janeiro o referido curta metragem, uma animação, que versa sobre a lenda criada por ele, das pedras gêmeas, que identificam o Balneário Piçarras – Ilhas Itacolomi – sob o título: “Quando o amor é eterno”.

Autor consagrado de livros infantis, especiais para iniciação e incentivo à leitura, e também sobre a história de municípios dirigida a crianças, Luiz Ferreira falava com propriedade quando dizia que o problema da educação no Brasil é a falta de leitores e o pouco interesse pela leitura, além da carência de conhecimento das próprias histórias dos seus municípios.

Por isso, depois de mais de 20 anos de estudos, criou os projetos como: “Programa LER É SABER de Iniciação e Incentivo à Leitura” e “História da Minha Terra” , já utilizados nas escolas fundamentais de vários municípios de Santa Catarina e do Brasil. Luiz Ferreira também foi honrado com uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

 

(CHIMBOCA POR CHIMBOCA)  |  Não gosto de falar sobre mim mesmo

Acho que não vale a pena, porque não vou ter muito o que dizer, dada a simplicidade em que vivo. Vivo mais para dentro de mim mesmo, do que para fora, para os outros.

Gosto muito de pensar e de escrever, atitudes solitárias, que me levam a ser introvertido, fechado e, algumas vezes, parecer antipático.
Meus pensamentos voam e viajam por todo canto, me levando a conhecer maravilhas e a criar impérios e lugares especiais, que só eu conheço e deles desfruto, num egoísmo consciente e que não faz mal a ninguém.

Até as minhas atividades são solitárias: escrever e praticar jardinagem.

Escrever, escrevo muito, quase o tempo todo e sobre tudo; jardinagem, pratico quando posso e o tempo permite, um hobby que me encanta e que também me faz pensar. 

Escrevo sobre tudo e para todos: contos, histórias, cartas, bilhetes, textos simples, textos complicados, até poesias, algumas raras vezes.
Não me considero escritor, prefiro que me chamem de contador de histórias.
Na minha vida de homem simples, desprovido de vaidades e sonhos de riqueza, o meu lugar preferido é o jardim da minha casa.

Quando tenho um tempinho é ali que trabalho e me divirto, mexendo na terra e apreciando o cantar dos pássaros e o vai-e-vem de formigas e outros insetos, em sua constante movimentação atrás de alimento.

Na jardinagem, planto sementes que me dão a beleza das flores e o sabor do alimento natural. Escrevendo, semeio pensamentos, cultivando-os em frases no papel, guardando-os para futuro entretenimento meu, e de quantos lerem o que escrevo; quase uma jardinagem, só que colhendo palavras, textos e histórias.

Tenho publicado algumas histórias infantis. Hoje, com a minha idade avançada, prefiro escrever para crianças. Sei que elas não vão me criticar, porque gosto delas e procuro ter os seus espíritos dentro de mim, fazendo traquinagens e dizendo bobagens alegres. Sinto-me mais novo assim. Não que eu queira ser mais novo, não! Isso não passa pela minha cabeça de velho experiente e bem vivido. É que este convívio deixa-me com o espírito mais jovem independente do meu corpo envelhecido.

Creio em Deus plenamente e acho que Ele está dentro de mim e de cada um de nós, cuidando para que não façamos aos outros o que não queremos que façam para nós mesmos, mandamento base para tudo na vida.

Creio, também, que a pessoa quando morre, se, em vida, respeitou as leis divinas, se transforma em algum tipo de anjo, trabalhando para Deus, ajudando de alguma maneira a melhorar o mundo e as pessoas que nele vivem, até que todos, um dia, sejam perfeitos e purificados, para que possam viver eternamente em paz, num mundo sem defeitos.

É nisso que acredito…

Luiz Ferreira da Silva
*16.08.1938 +19.07.2017

(CRÔNICA)  | Chimboca e sua criança
Homenagens póstumas são quase sempre injustas com seus homenageados. São geralmente feitas quando já não se pode garantir que elas cruzem também a fronteira da vida e cheguem aos ouvidos da pessoa a quem se quer homenagear. Por isso, torço que Luiz tenha deixado esta terra com a lembrança das palavras que hoje compartilho com vocês. Não ouso dizer que esta seja uma homenagem. Não o conheci com a profundeza que poderia produzir um retrato inteiro do homem que foi. O que posso – e é o que faço aqui – é rabiscar os traços de sua personalidade que mais admirava. Não chega a ser um perfil. É o testemunho do que aprendi com Luiz sem que ele tenha tido, num minuto sequer, a intenção de ensinar. 

Mesmo se não houvesse nenhuma outra qualidade, o simples ímpeto de viver em atividade até sua última gota já é um exemplo exuberante de respeito à vida. Chimboca não esperava a morte. Ele a trapaceava. E de ano em ano, de livro em livro, ia sugando os minutos do relógio.    Se desejo algo do futuro em que os mais jovens me chamarão de velho, é que eu faça como Chimboca. Que eu preserve a mesma resistência que sua alma demonstrou ao não ceder à falência gradual da carne. Enquanto o corpo decaía, sua mente conservou o frescor de um espírito jovem. Ele tinha planos e sonhos. Ele realizava ideias que, seus colegas de geração, costumam abandonar porque se deixaram intoxicar pelo pó da velhice. 

Quando penso em Chimboca e lembro de seus livros – a maioria voltada ao público infantil – vejo um homem encarnado num corpo que disfarçava seu olhar de menino, capaz de perceber e se sensibilizar por coisas invisíveis para a maioria dos adultos. Definitivamente, Chimboca tinha uma criança a brincar dentro de si. De que outra forma explicar seu fascínio pelas lendas e histórias fantásticas? Como negar isso, se ele mesmo se tornou um Dom Quixote em suas batalhas a favor da popularização dos livros nas escolas?

Eu lhe disse, em algum momento, todas essas coisas. É e sempre será admirável estar diante de alguém dessa altura, cuja vida termina no último ato, diferente daqueles que dela fazem um moribundo que lentamente se arrasta ao longo dos anos derradeiros até a cova. Chimboca foi presente até o dia em que foi dispensado por Deus do peso do corpo. Agora, quero acreditar, ele habita um mundo ainda mais feliz. Afinal, consta no Grande Livro que o reino de Deus pertence a elas, as crianças. Chimboca está de volta à casa.   

Luiz Garcia, jornalista

Foto por: Arquivo JC

REDAÇÃO, JORNAL DO COMÉRCIO
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